O Show (parte1)




Sexta-feira, 18:32

- Mariana, tudo bem?
- Tudo. E contigo?
- Também. Que tal, vamos ao show ou não? 
- Ainda não sei. Estou a espera da resposta do meu namorado. 
- Ainda não te deu o dinheiro de ingresso?
- Ainda. Disse para aguardar.
- Mas tu não tens nada mesmo?
- Tenho mas meu dinheiro não é para isso.
- Assim preferes depender de alguém para satisfazer as tuas necessidades? 
- Não é por dependência. Eu tenho dinheiro para comprar ingresso mas gosto quando ele atende as minhas necessidades.
- E quanto à tua independência? 
- Independência não traz felicidade. Eu sou a namorada dele, ele tem que cuidar de mim, se esforçar para me agradar, para me ver feliz.
- Desculpa mas isso parece coisa de marhandza.
- Podes dar o nome que quiseres. Para mim isso é namoro. Quando um homem gosta da sua namorada ele faz de tudo para deixá-la feliz. Vocês que são empoderadas, independentes, vivem assim porque os vossos namorados não se importam convosco.
- Eu não tenho namorado, não se esqueça disso.
- Por isso mesmo. Homens têm medo de ti. Como é que um homem vai ficar com uma mulher que não precisa dele pra nada.
- Por amor.
- Amiga, amor não é suficiente. É preciso o homem se sentir homem e a mulher ser mulher. Aprenda isso se queres ter namorado que vai te casar e te dar filhos.
- Está bem, não vamos discutir. Eu vou comprar os bilhetes amanhã.  A Ivone também vai. Fico a espera da tua resposta ou resposta do teu damo.
- OK.

Sábado, 13:46

- Que tal, ele disse alguma coisa? O show é hoje.
- Infelizmente não poderei ir porque ele vai trabalhar no turno da noite hoje?
- Mas a ideia não era de ir com ele. Vamos só nós as meninas.
- É que ele tinha que ir me buscar e me deixar em casa. Não dá pra voltar convosco todas bêbadas. Além disso, mulher conduz mal.
- Ele que disse isso?
- Sim mas eu também concordo com ele. Além disso, vão transmitir em directo na televisão, então não vou perder nada.
- OK. Então vou com a Ivone.

Domingo, 7:02

- Bom dia. Como foi o show? Tas a dormir ainda? Quando acordares me dá sinal.

11:19

- Bom dia! Estava a dormir. O show foi nice. Cheguei hoje de manhã em casa.
- Não tens nada pra me contar?
- Se perguntas é porque já sabes.
- Mas quero ouvir de ti para ter certeza. 
- Teu namorado estava lá.
- Só isso?
- Ele deu em cima de mim como sempre mas isso não importa.
- E tua amiga Ivone?
- Não sei sei como te dizer isso mas os dois estavam muito bêbados e sairam juntos. Ainda vou ligar pra ela pra saber o que aconteceu.
- Não precisa. Eu já sei de tudo. Qual é o plano pra hoje.
- Tem after party mais logo. Se quiseres vamos juntas.
- Vamos sim. Convide a Ivone também.

Mensagens populares deste blogue

É cedo ainda

É cedo ainda, descansa Eu te acordo quando forem oito O sol que já brilha é uma farsa O galo que já canta é afoito Mantenha sua cabeça no meu peito Ressone enquanto guardo seu sono Fique mais perto, que o colchão é estreito Cada centímetro longe é abandono É cedo ainda, durma Eu aviso quando for o momento O clarão lá fora é a bruma As vozes na rua são do vento
Poesia

Crássula

Num canto sombrio jaze um vaso de crássula Que lhe falta flores e o verde vibrante da rúcula Feio o vaso, feio o canto. Há uma enorme mácula Há umas paredes inclinadas à esdrúxula Igual a estas rimas: Proparoxítonas ácidas É sinistro aquele canto, tem a face mórbida Se vidas houve alí, hoje não são mais ávidas É próprio dessa esquina ser assim túrbida Da planta, todas as folhas são cadáveres Do vaso, à pobre terra, suas paredes são cárceres É um cemitério aquele canto impávido Se já teve luz, se já seu ar um dia foi cândido Talvez o sol queimou até fazê-lo assim árido Fez das areias do vaso, para sempre, solos impúberes
Poesia

Procura-se

Arrendou dois meses no meu coração, foi embora sem pagar o último; saiu à francesinha madrugada adentro; deixou a conta de água por pagar e alguns sonhos por realizar. Não vou cobrar o que me deves, só quero que devolvas as minhas esperanças e o livro de Mia Couto que não chegaste a abrir. Vem apagar o desenho no espelho que marcaste com batom. A internet já está paga, vem terminar a última temporada d'O Conto da Aia; vem arrumar a cama que abandonaste; vamos rever juntos os termos do contrato. Ainda está vago o coração. Algumas teias de aranha por limpar, mas nada que teu zelo não resolva. Eu deixo a chave debaixo do vaso da varanda. Nem precisa avisar, só vem.
Poesia