Mensagens

Tempo Triste

 É noite quente, é manhã chuvosa É um dia que passa sem te ver sorrir Dê-me um sinal, diga qualquer coisa Mande uma mensagem antes do sol sumir É tempo triste se não hás tu É tempo feio que me ameaça A saudade me toma de sequestro Secou a chuva e o tédio não passa É notificação sem fim no aparelho É foto e vídeo que não são de ti Enquanto martelo a cabeça no joelho Que é pra encurtar esta espera sem fim

Eu Pergunto

Uma gota do teu sangue no tubo de ensaio Que é para pesquisar o que há em ti Que me deixa atónito e quase senil Aos teus modos onde sempre caio Um fio do teu cabelo na palhota da avó Que é para descobrir se há magia Nesse olhar invasivo que vicia Faz um coração de pedra ser de pó Sobras de tuas unhas cortadas Eu levo ao caldeirão de um mestre Que as cozinha com erva silvestre E me dá de beber às umas das madrugadas Eu pergunto à ciência, à alquimia, à religião O que tens que me rouba os sentidos Quais segredos tens aí escondidos A fazem-me ser de ti, mas das outras não

Procura-se

Arrendou dois meses no meu coração, foi embora sem pagar o último; saiu à francesinha madrugada adentro; deixou a conta de água por pagar e alguns sonhos por realizar. Não vou cobrar o que me deves, só quero que devolvas as minhas esperanças e o livro de Mia Couto que não chegaste a abrir. Vem apagar o desenho no espelho que marcaste com batom. A internet já está paga, vem terminar a última temporada d'O Conto da Aia; vem arrumar a cama que abandonaste; vamos rever juntos os termos do contrato. Ainda está vago o coração. Algumas teias de aranha por limpar, mas nada que teu zelo não resolva. Eu deixo a chave debaixo do vaso da varanda. Nem precisa avisar, só vem.

Presente de Natal

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Queria-te de verde, arborecida Olhos cintilantes ao piscares Nossa casa além doutros lares Assim amada como querida Queria-te dançante no vão do quintal Ao som d'O Anel dos Nibelungos Eu, soldadinho de chumbo Tu, meu presente de Natal Queria-te preta, anoitecida Coberta de flores e capulanas Tão vistosa como é de africanas Amada mais do que querida Queria-te em pele de animal Ao som de tambores gritantes Eu, o rei das terras distantes Tu, minha musa tropical

É cedo ainda

É cedo ainda, descansa Eu te acordo quando forem oito O sol que já brilha é uma farsa O galo que já canta é afoito Mantenha sua cabeça no meu peito Ressone enquanto guardo seu sono Fique mais perto, que o colchão é estreito Cada centímetro longe é abandono É cedo ainda, durma Eu aviso quando for o momento O clarão lá fora é a bruma As vozes na rua são do vento

Crássula

Num canto sombrio jaze um vaso de crássula Que lhe falta flores e o verde vibrante da rúcula Feio o vaso, feio o canto. Há uma enorme mácula Há umas paredes inclinadas à esdrúxula Igual a estas rimas: Proparoxítonas ácidas É sinistro aquele canto, tem a face mórbida Se vidas houve alí, hoje não são mais ávidas É próprio dessa esquina ser assim túrbida Da planta, todas as folhas são cadáveres Do vaso, à pobre terra, suas paredes são cárceres É um cemitério aquele canto impávido Se já teve luz, se já seu ar um dia foi cândido Talvez o sol queimou até fazê-lo assim árido Fez das areias do vaso, para sempre, solos impúberes

Não me Doeu

 Meus assassinos mereciam uma vítima melhor Que lutasse pela vida com uma certa dor Não quem já não se importasse como eu Que morri de dor, mas não me doeu