É cedo ainda, descansa Eu te acordo quando forem oito O sol que já brilha é uma farsa O galo que já canta é afoito Mantenha sua cabeça no meu peito Ressone enquanto guardo seu sono Fique mais perto, que o colchão é estreito Cada centímetro longe é abandono É cedo ainda, durma Eu aviso quando for o momento O clarão lá fora é a bruma As vozes na rua são do vento
Num canto sombrio jaze um vaso de crássula Que lhe falta flores e o verde vibrante da rúcula Feio o vaso, feio o canto. Há uma enorme mácula Há umas paredes inclinadas à esdrúxula Igual a estas rimas: Proparoxítonas ácidas É sinistro aquele canto, tem a face mórbida Se vidas houve alí, hoje não são mais ávidas É próprio dessa esquina ser assim túrbida Da planta, todas as folhas são cadáveres Do vaso, à pobre terra, suas paredes são cárceres É um cemitério aquele canto impávido Se já teve luz, se já seu ar um dia foi cândido Talvez o sol queimou até fazê-lo assim árido Fez das areias do vaso, para sempre, solos impúberes
Arrendou dois meses no meu coração, foi embora sem pagar o último; saiu à francesinha madrugada adentro; deixou a conta de água por pagar e alguns sonhos por realizar. Não vou cobrar o que me deves, só quero que devolvas as minhas esperanças e o livro de Mia Couto que não chegaste a abrir. Vem apagar o desenho no espelho que marcaste com batom. A internet já está paga, vem terminar a última temporada d'O Conto da Aia; vem arrumar a cama que abandonaste; vamos rever juntos os termos do contrato. Ainda está vago o coração. Algumas teias de aranha por limpar, mas nada que teu zelo não resolva. Eu deixo a chave debaixo do vaso da varanda. Nem precisa avisar, só vem.